Pauliceia condenada
Uma crônica arrependida, esta aí de cima, reproduzida do blogue em Frankfurt. Foi viver duas semanas mais em São Paulo, Capital, para perder as esperanças; não dá mais. Em minhas despedidas da Alemanha, aos que me perguntavam onde tinha encontrado coragem, eu, acostumado a grandes metrópoles, para vir morar numa minúscula cidade de interior, achei muito natural dizer: encontrei coragem em minha covardia (Colinenses no. 1).
Covardia sincera, medo de morar em São Paulo, de enfrentar seus problemas, de poluição, de trânsito, de segurança, de custos (São Paulo é bem mais cara que Frankfurt, a segunda cidade mais cara de toda a Europa). Vou visitar meus pais (98 e 96 anos) na Casa de Repouso em que se encontram, em Santo Amaro: da Aclimação, bairro central, tensas 1,15 horas para ir, aniquiladoras 2, 35 horas para voltar! Isso de carro; de bicicleta seria mais rápido, mas cadê a coragem? Os amigos, logo noto, vivem enfeudados: onde dê para ir a pé ao e do trabalho, escola no mesmo quarteirão, cinema pertinho (nem por próximo, eles vão), restaurantes a mão (ou a pé), shopping (indispensável), a distância curta e segura. As famílias raramente se visitam; ocasionalmente trocam telefonemas. Muitos vivem assim, coibidos, e na perene ansiedade da espera pelo feriadão, para deixar a morada-prisão em busca de relaxamento. E aí caem noutro cárcere – o do congestionamento, também nas estradas. Os grandes atrativos da cidade grande, museus, teatros, sala de concertos, vida noturna? Ah, é tão difícil ir... E tão arriscado... O trânsito multiplica a distância, a insegurança faz das casas menos amenas residências do que redutos irredutíveis. (Segundo o Houaiss, Reduto é “obra fortificada no interior de outra, com a finalidade de servir para a última resistência”. A que ponto chegou minha São Paulo!)
Resultado é que morar na imensa São Paulo pode ser morar circunscrito numa área urbana mínima – quiçá menor do que Colina!
Daí se infere que, morando na pequenina Colina, posso estar morando, efetivamente, numa cidade para mim mais ampla do que São Paulo!
Pauliceia alucinada, condenada! O esteta Mario de Andrade jamais cogitaria de um tal desvario urbano quando escreveu sua seminal “Pauliceia Desvairada”, nos anos 1920.
Na amplidão de suas ruas e na liberdade de seu convívio, encontro no interior o à vontade que já não se pode encontrar na Capítal. A cidade cresce, sim, horizontal e vertical, para a periferia e para os céus, basta ver os anúncios de páginas inteiras de caríssimos apartamentos, condomínios, conjuntos habitacionais em todo lugar. Mas essa vitalidade especulativa é enganosa, ou mesmo, ao cabo, autodestrutiva, suicida: quanto mais a urbe cresce, mais problemas cria, ou mais dificuldade gera para a solução dos problemas já antes existentes.
Fosse eu político, do interior ou da Capital, meu tema de campanha seria: em vez de investir mais numa causa perdida, condenada, melhor maneira de ajudar São Paulo, em seu expansivo, luxurioso, desvairado caminho para o abismo, é investir no interior!
Mas interior mesmo, não nessa área periférica, inchaço enfermiço da Capital, onde se vão gerando simulacros suburbanos mal planejados, de vocação equívoca e destino incerto. Nem nessas cidades mais próximas, e já congestionadas, como Campinas, Jundiaí, Santos, Sorocaba, até, mais longe, Araçatuba, Ribeirão e Rio Preto, Prudente, onde o modelo maligno da Capital parece estar vingando. Em alguma parte destas Colinenses já falei do processo perverso, de duas mãos, que afeta essas metrópoles emergentes e corajosas: numa mão vão adquirindo as desvantagens da Capital (trânsito, insegurança, poluição, carestia...), na outra perdem as vantagens do interior genuíno (é preciso enumerá-las?). Haveria que descentralizar com planejamento, espalhando os investimentos nas e entre as pequenas cidades, cuidando para que estas vicejem, prósperas e tranquilas, e não se afoguem no crescimento exorbitante, desregrado, como na Capital e naquelas cidades “médias” tão precocemente sacrificadas ao desenvolvimento sem regra (“Médias”? Campinas já passou do milhão de habitantes. Frankfurt, a milenária capital financeira do euro e da Europa, onde morei, tem uns 700 mil).
Investir no interior pode criar condições para que os excessos de São Paulo possam ali (no interior) acomodar-se, sem dano significativo para a sociedade paulista como um todo; com ganhos, ao contrário, para o conjunto do Estado. Falo em investimento público, de Governo, porque o privado, industrial, já há anos vai se vertendo para o interior, consistentemente, sensível aos limites já ultrapassados da Capital, e atraído pelos horizontes acolhedores, ainda inexplorados, de seu extenso entorno estadual. Quem, hoje, instala indústria de algum porte em São Paulo, e mesmo em seus arredores imediatos?
O interior, crescendo, salva São Paulo!
Em vez de catar mais e mais recursos para investir mais e mais em metrô, por exemplo, que gera novos problemas e ninguém pode assegurar que vai resolver os velhos, que o justificam, por que não alocar uma parte daqueles meios para restabelecer e aprimorar a malha ferroviária do interior, há décadas sacrificada no altar cobiçoso das montadoras instaladas no entorno da Capital? A estrada de ferro levaria o paulistano, decerto, por melhores caminhos, no rumo de mais saudáveis destinos, para o bem de todos.
Para mim, feliz refugiado em Colina, o problema, no fundo, é evitar que o interior cresça demais!
Eu sonho com o modelo de ordenamento territorial da Alemanha, onde a indústria se dispõe gostosamente no campo, sem desfigurá-lo, aqui e ali também se estabelecendo em pequenas cidades, sem afetar sua vida de sempre, secular, autêntica. Ordenar é no caso descentralizar, tirar o proveito ótimo do todo, explorando vantagens comparativas, minimizando inconvenientes, com planejamento criterioso, previdente, visionário. A indústria se espalha por toda parte, disseminando seus ganhos econômicos e sociais, ao mesmo tempo que diluindo seus efeitos potencialmente nocivos para o meio-ambiente e a circulação, evitando a concentração em lugares específicos – tudo isso amparado por uma rede de transportes, rodoviário e ferroviário, quase perfeita.
Vocês sabem qual é a cidade que concentra a maior quantidade de indústrias alemãs em todo o mundo?
Espantem-se:
Não é Berlim, ou Munique, ou Hamburgo, ou Colônia, ou Essen, ou Dortmund, ou Frankfurt, ou Mainz, ou Stuttgart, ou Bremen, ou Manheim, ou Kaiserslautern, ou Leipzig, ou Aachen.
É São Paulo!!!
São Paulo, o maior centro industrial alemão no mundo! Oitocentas empresas de origem alemã operando e produzindo na Capital!
Isso, não sou eu quem diz, quem proclama, orgulhosamente, é a poderosa Cãmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha! Vejam em www.ahkbrasilien.com.br/pt.home, se já não tiverem visto naquelas ubíquas e vistosas sacolas que a Câmara distribuía para empresário alemão levar caipirinha na volta pra casa, nelas impresso, em vivas cores, e em alemão, o slogan ufanista:
“São Paulo, a maior cidade industrial alemã no mundo”!
“Die größte deutsche Industriestadt der Welt!“.
(A tradução é do Google, que meu alemão nem pra isso dá).
Começou a carreira profissional como jornalista, nas “Folhas” e no “O Estado de S. Paulo”; paralelamente, formou-se na Faculdade de Direito da USP, no Largo de São Francisco.Diplomata desde 1963, foi Secretário de Embaixada em Bruxelas e Bogotá, Chefe do Escritório Comercial do Brasil nos EUA, Cônsul Geral ad interim em Nova York, Ministro-Conselheiro na Embaixada em Washington e Encarregado de Negócios junto aos EUA, ad ínterim.Promovido a
Embaixador em 1987, exerceu aquela função na Venezuela, no Uruguai e na Austrália (cumulativamente, também na Nova Zelândia e em Papua-Nova Guiné). Foi igualmente Cônsul-Geral do Brasil em Frankfurt, na Alemanha, e em Tóquio, no Japão.
No Brasil, foi Chefe da Divisão de Programas de Promoção Comercial, porta-voz do Itamaraty na gestão Olavo Setúbal e Chefe do Gabinete do Ministro Abreu Sodré; fora de Brasília, foi Chefe do Escritório do Ministério das Relações Exteriores em São Paulo – ERESP, que instalou.Aposentou-se em abril de 2.008. Reside atualmente em Colina, sua terra natal, interior de São Paulo, Brasil.
É o autor de “Crônicas do Inesperado”, lançado em outubro de 2.009.
Para contatos, usar o endereço de e-mail rpguimar@gmail.com
Aberto às suas opiniões, sugestões, etc...
para saber mais sobre o autor, por favor, acesse os links:
http://colinaspaulo.blogspot.com.br/2012/04/renato-prato-guimaraes-autor-colinense.html
ou seu blog: http://www.ccbf.info/blog
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