publicada originalmente em 28/11/2012
Ciclismo de alto risco
Vindo da Avenida da Estação, parei no PARE bem sinalizado no asfalto da esquina da Alfredo S. Campos Filho com a Sete. Ali, entre o Tome Leve e o Bradesco. Olhei em frente, para ver se vinha algum carro em sentido oposto, para cruzar a Sete na minha direção, ou a fim de dobrar nela à direita, e subi-la. Olhei à direita, para ver se vinha alguém pela Sete. Quase que casualmente, olhei para a esquerda, Rua Sete acima, para ver se não vinha algum pedestre.
Isso feito, começo a pisar no acelerador para virar à esquerda. De repente, zuuuum!, duas bicicletas cortam a minha frente, vindas da esquerda, a velocidade considerável, dois rapazes pedalando com entusiasmo adolescente, saídos de trás daquele bolo de caminhões de entrega e de carros de clientes que se forma às vezes na frente do supermercado. Meto o pé no breque, como se fosse necessário, pois ainda estava parado; ainda bem, houvesse saído átimos de segundo antes, eu teria atropelado as bicicletas, ou estas a mim – a hipótese mais provável. Mas ambas as hipóteses são fátuas; o que importa é que ia sair gente machucada, e muito.
Um susto danado. Logo pensei, com espírito cidadão: que perigo, esta esquina, preciso alertar o Maringá, talvez o próprio Tô (do Tome Leve) se interesse em prevenir o perigo a suas portas. Mas logo abandonei a ideia; não seja abelhudo, Renato, você acabou de chegar, o pessoal daqui sabe o que fazer, conhece cada esquina, cada palmo, desta cidade.
Deixei passar, esqueci.
Mesma esquina, outra vez, três semanas depois. Mesma posição. Olho em frente, olho para a direita, olho à esquerda, à cata de pedestre. Vou acelerar quando o susto se repete: a bicicleta passa, rente, tirando fina. Mais devagar, como que tomando impulso, só uma desta vez, embora igualmente duas as vítimas potenciais: uma moça ainda jovem, levando um bebê (2 anos?) sentado sobre o cano horizontal do quadro da bicicleta de homem. Mãe e filho(a)? Desta vez, quase saí do carro, para tomar ar, tão perturbado. Não saí, para não atrapalhar o tráfego, mas fiquei parado um longo tempo – dez segundos, talvez? Repirando fundo, especulando e calculando, com remorsos antecipados, embora não necessariamente culpados: houvesse eu saído escassos fragmentos de segundo antes, o que poderia ter acontecido? Aproveitei a pausa para tentar decifrar a charada: de onde diabos tinha vindo a bicicleta maternal? Cheguei à conclusão, mas não com certeza, de que a mãe havia estacionado na calçada do Tome Leve, defronte à do Bradesco, e, findas as compras, dali havia saído direto, com naturalidade, na contramão da Sete, cruzando a Alfredo S. Campos Filho à minha frente.
Desta feita, não me importo de ser abelhudo: é dever de cidadão alertar quem de direito para onde existe perigo. Imaginou se não falo nada e de repente alguma coisa vem a acontecer? Com a mãe e o bebê, por exemplo, reincidentes na imprudência? Remorso para toda a vida.
E falo nisso depois de uma cuidadosa autocrítica – de idoso e diabético, disso maduramente consciente. O susto não pode ser por minha culpa? Deficiência de visão? Mas o Doutor Adilson checou quando renovei a carteira, meticuloso como sói ser e o distingue, e achou tudo bem. E antes, ainda este ano, em fevereiro ou março, minha oculista na Goethestrasse, em Frankfurt, revisou tudo naqueles incontestáveis aparelhos óticos da tecnologia alemã, e comentou, especialmente, o grau e a qualidade surpreendentes de minha visão lateral.
O que pode ser feito na esquina dos dois sustos? Se é, claro, que algo se afigure efetivamente necessário a quem tem a competência e a experiência que me faltam. Um sinal especial, um alerta, para o ciclista e/ou o motorista? Uma faixa? Um semáforo?
Fui conversar com o Maringá a respeito. Parece que o problema das bicicletas na contramão vem de longe, a ponto de já terem sido submetidos, pelo Executivo municipal, dois projetos à Câmara, regulamentando o trânsito daqueles veículos, nas ruas, nas calçadas e nas praças da cidade (no fundo, um excesso de zelo, pois as leis federais de trânsito já proíbem terminantemente esse ciclismo de risco). Por alguma razão, aquelas iniciativas não prosperaram.
Infelizmente.
Por sinal, não custa nada esclarecer, para evitar suspeita de peconceito anti-bicicleta, que eu sou um ciclista obsessivo e competente, que de Frankfurt ia a Mainz (45 km) para jantar, e de lá voltava no dia seguinte para almoçar em Frankfurt (45 km), no maior à vontade – e com muito apetite; que, aos domingos, saía de manhã a esmo pela imensidão de Tóquio, perdendo-me em seus meandros sutis e surpreendentes, e só voltava à noite, guiado pelo GPS portátil até a aprazível Ropongi de minha casa, depois de uns 60 km de percurso, pelo menos; que tinha programado para o último verão europeu fazer o tour da Holanda de bicicleta, durante as férias.
Pena é que esqueci minha bicicleta na mudança, uma Hércules como as de meus velhos tempos, só que em formas mais esportivas e com as 21 marchas modernas, do câmbio Shimano. Andei querendo comprar uma Caloi aqui, com os dotz que tenho acumulados, brindes de muitos anos por compras e transações bancárias, mas ainda não consegui acesso a minha conta naquela moeda nova, e meio esquiva, da Internet. Fiquei na maior inveja de uma negra, reluzente e elegantíssima bicicleta que o Xande montou prum amigo colinense, mas tudo ficou nisso mesmo, na inveja, pois fui ver o preço e não dá pro meu bolso.
Desfruto e celebro a liberdade de movimentos do ciclista. Mas a complacência ante a contramão e outras práticas perigosas pode ser também, em si mesma, uma imprudência grave: a tolerância pode virar como que uma cumplicidade virtual, por omissão, em infortúnios graves, mesmo fatais, e motivo, por aí, não para responsabilização penal, mas para muita dor de consciência.
É o que penso, à luz dos dois sustos brutais e quase acidentes que vivi em pouco mais de três semanas. Dois sustos tópicos e concretos, na realidade, um número incalculável nos pesadelos que a experiência não deixou de causar-me.
Fica aí o registro.
A quem interessar possa.
De que as bicicletas podem ser problema em nosso tráfego do cotidiano, boa amostra é aquele Aviso que saiu outro dia neste blogue, dentro de uma coleção magnífica de textos e anúncios antigos de nossa querida cidade carinho.
Nota: parece que as bikes são alvo das atenções desde...
Aviso do Delegado, de 1947
SOBRE O AUTOR:
Renato Prado Guimarães nasceu em Colina, Estado de São Paulo.
Começou a carreira profissional como jornalista, nas “Folhas” e no “O Estado de S. Paulo”; paralelamente, formou-se na Faculdade de Direito da USP, no Largo de São Francisco.Diplomata desde 1963, foi Secretário de Embaixada em Bruxelas e Bogotá, Chefe do Escritório Comercial do Brasil nos EUA, Cônsul Geral ad interim em Nova York, Ministro-Conselheiro na Embaixada em Washington e Encarregado de Negócios junto aos EUA, ad ínterim.Promovido a
Embaixador em 1987, exerceu aquela função na Venezuela, no Uruguai e na Austrália (cumulativamente, também na Nova Zelândia e em Papua-Nova Guiné). Foi igualmente Cônsul-Geral do Brasil em Frankfurt, na Alemanha, e em Tóquio, no Japão.
No Brasil, foi Chefe da Divisão de Programas de Promoção Comercial, porta-voz do Itamaraty na gestão Olavo Setúbal e Chefe do Gabinete do Ministro Abreu Sodré; fora de Brasília, foi Chefe do Escritório do Ministério das Relações Exteriores em São Paulo – ERESP, que instalou.Aposentou-se em abril de 2.008. Reside atualmente em Colina, sua terra natal, interior de São Paulo, Brasil.
É o autor de “Crônicas do Inesperado”, lançado em outubro de 2.009.
Para contatos, usar o endereço de e-mail rpguimar@gmail.com
Aberto às suas opiniões, sugestões, etc...
para saber mais sobre o autor, por favor, acesse os links:
http://colinaspaulo.blogspot.com.br/2012/04/renato-prato-guimaraes-autor-colinense.html
ou seu blog: http://www.ccbf.info/blog
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