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Rugendas - Repos d'une Caravanne |
O CAMINHO DOS GOIASES E OS POUSOS DO SERTÃO:
tropeiro - Charles Landseer - 1827
Cena rural intitulada No Pouso,
óleo sobre tela de Benedito Calixto, 1909
O sertão era do indígena caiapó. Porém, antes do término do século XVII, Pires de Campos (o Pai Pira) e outros bandeirantes haviam passado pela região no afã de conhecê-la e, mais do que isto, descobrir as suas riquezas e apresar os seus habitantes. Os esforços de Bartolomeu Bueno da Silva, o Anhanguera, não foram em vão. Ainda no primeiro quartel do século XVIII, as minas de ouro da Serra dos Martírios já estavam descobertas por seu filho o Anhanguera II, e entre São Paulo e a recém fundada Vila Boa de Goiás estabeleceu-se um intenso fluxo de homens com seus animais, negociantes com suas mercadorias, mineradores com sua fome de ouro, aventureiros com seus sonhos, facínoras com seus crimes. Para dar apoio, sustento e descanso a esses "viandantes", formaram-se, ao correr do Caminho, os pousos, minúsculos núcleos populacionais que abriam tímidas clareiras no grande sertão. Os pousos desenvolveram-se ou estagnavam-se a medida em que aumentava ou diminuía o fluxo de gente e de coisas pela Estrada dos Goiases. Por conseguinte, o escasseamento do ouro de Vila Boa trouxe como conseqüência a decadência definitiva dos pousos. Não obstante, a decadência não resultou em seu completo desaparecimento. Mais tarde, no século XIX, eles iriam ainda servir de pousada para o boiadeiro, para os carros de bois, para os comerciantes de então, para os abastecedores dos centros urbanos que surgiam na época tais como São Paulo e Rio de Janeiro.
No primeiro quartel do século XIX, o naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire, homem culto e perspicaz, registra a sobrevivência dos pousos, a permanência de suas finalidades e a diferença entre eles e os arraiais. Ao atravessar o Rio Grande, escreve o naturalista: "...comecei no dia 24 de setembro de 1819 a percorrer essa imensa Provincia (São Paulo). Para alcançar sua capital viajei 86 léguas seguindo a estrada que as caravanas percorrem em demanda de Goiás e Mato Grosso. Gastei 36 dias nessa viagem muito castigada pelas chuvas e pelas más pousadas..."... "No próprio dia de minha chegada ao rio Grande, atravessei-o e dormi num vasto rancho coberto de folhas e aberto de todos os lados. A noite estava muito fria. Pela manhã, antes do despontar do sol, uma neblina espessa impedia-me de ver os objetos circunvizinhos, mas logo desapareceu e pude me deliciar com a beleza da paisagem." Sobre os moradores estabelecidos nos pousos ao longo da estrada, assim se manifestou Saint-Hilaire: "Enquanto descrevia e examinava as plantas, aproximou-se um homem do rancho permanecendo várias horas a olhar-me sem proferir qualquer palavra. Desde Vila Boa até o Rio das Pedras tinha eu tido, quiçá, cem exemplos dessa estúpida indolência. Esses homens embrutecidos pela ignorância, pela preguiça, pela falta de convivência com seus semelhantes e, talvez, por excessos venéreos prematuros, não pensam, vegetam como árvores, como as ervas dos campos". Mais adiante, sua opinião sobre os Batatais foi bem diferente: "A duas léguas de Paciência, detive-me na fazenda de Batatais, abrigando-me num rancho cercado por grossos moirões que o defendiam dos animais. Depois da cidade de Goiás, nenhum rancho vi construído com tamanho cuidado. Batatais é dependência de uma pequena Vila do mesmo nome situada a pouca distância da estrada do lado de leste e que não cheguei a ver." Os pousos ficaram como herança do povoamento bandeirante-caiapó do Belo Sertão da Estrada dos Goiases e, até hoje, muitos locais da região são identificados por aquelas antigas denominações. O arraial da Franca e todos os outros do antigo Belo Sertão nascem em virtude da afluência e da vontade dos entrantes das Minas Gerais que apossam-se da região nos primeiros anos do século XIX. De vários arraiais e Freguesias, de inúmeros distritos e Vilas vieram os entrantes das Gerais para arrancharem e formarem suas fazendas no Belo Sertão. E quanto mais avançarmos pelo século XIX, mais acentuado vai ser este fluxo migratório que ira transformar o sertão urbanizando-o com seus arraiais e humanizando-o com a sua gente.
Muito bom esse livro.Já tive a oportunidade de lê.
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