De pé na sela
A menina, de férias na Alemanha, com uns 10 anos de idade, queria porque queria montar num daqueles belos e imensos cavalos da Baviera, ela que antes só cavalgara uns pangarés entediados de hotel-fazenda. Tanto insistiu que afinal consentimos. Tomamos informações e referências e acabamos dando numa escola de equitação nos arredores de pequena cidade ao pé dos Alpes bávaros. Muito recomendada. Acertamos uma aula tentativa e lá a levamos. Apresentou-se a professora, uma jovem não muito mais velha do que a aluna, mas decidida e robusta, na aparência muito competente.
Ela se apropria resolutamente da menina, coloca-a na sela de um belo animal, e começa a fazê-la girar em torno de si própria, segurando o cavalo com uma amarra longa de uns 4 metros. O diâmetro do círculo era, pois, de uns 8 metros, e por sua circunferência andava, depois trotava, logo mais galopava a menina, entre exultante e apavorada... Só menos apavorada do que o pai, de fora do círculo, torcendo o pescoço a velocidade cada vez maior para acompanhar a menina voluntariosa e a mestra imprudente.
De repente me distraio, um momento, e ao reabrir os olhos para a cena perturbadora já não vejo a menina sentada na sela. Não sei como, a professora (?) havia posto a menina em pé sobre a sela nas costas largas do bucéfalo bávaro! Ou foi ela mesmo quem subiu, por conta própria? Entramos em pânico, minha mulher e eu. Ela fez um gesto, na direção da professora, radiante, esta (ou diabólica!), no centro do círculo infernal. Eu a segurei, a minha mulher, com medo de que qualquer movimento em volta pudesse perturbar o passo do cavalo, o giro da professora (?), a concentração da menina, rompendo o equilíbrio tão delicado e vital da cena inefável.
Mas o inevitável acabaria acontecendo: mais algumas voltas e a menina veio ao chão. Enquanto nós tentávamos esquivar a montaria para ir acudir a cavaleira, a Professora (?) corria atrás dele, o animal. Ela queria era repreendê-lo por ter errado um passo e, com isso, desequilibrado a cavaleira iniciante (?).
A palha fofa do chão amorteceu a queda e a menina nada sofreu.
Mas eu sofri! Primeiro pelo risco corrido e minha impotência em evitá-lo, temendo ao contrário consumá-lo com qualquer intervenção precipitada. Depois pelo sentimento arrepiante de que eu havia sido espectador de um episódio impossível, inacreditável - inexistente.
Alucinação?
Felizmente, minha mulher estava lá, para confirmar a autenticidade do ocorrido, e a menina, sua enteada e minha querida filha Luísa, está aqui para assegurar-me de que a estória foi, mesmo, verdadeira.
Confere, filhinha?
Foi em Colina, dias atrás, que Luísa veio a montar pela primeira vez depois disso. Já com 18 anos, portou-se com cautela e discrição, mas em alguns movimentos seus na sela o pai vislumbrou, amedrontado, fantasias de trapezista. Da próxima vez tomo mais cuidado, peço ao Liu para estar por perto, atento à cavaleira rebelde, se reincidente, e ao cavalo inocente, embora complacente.
Os cavaleiros colinenses, que tanto entendem de equitação, o que acham disso? A estória fantástica é verossímil? Se for verdade, minha filha é uma amazona com talento natural, promissora, né? Pensaria até em encorajá-la para vir morar e aprender em Colina, fonte perene de cavaleiros olímpicos...
Da próxima vez prefiro que a aventura aterradora não seja real, mas alucinação mesmo. Melhor demente e alucinado, eu, do que sob risco sério de ferir-se, a filha amada.
P. S. - Luísa confirma que ficou mesmo de pé sobre o cavalo, lá na Baviera. E acrescenta, entre gabola e incrédula: até de joelhos e de costas ela me fez andar! Primeira lição... Como seriam as outras? Ficamos sem saber, pois jamais voltamos, eu nem em pensamento, a não ser agora, inspirado pela saudável vocação equina da cidade onde nasci.
P.S. 2 – Releio e na última frase do P.S. acima me descubro um cavalo de nascimento. Cavalo ou burro?
P.S. 3 – Especialistas hípicos me esclarecem que o exercício que descrevi é um “volteio” e admitem que minha alucinação pode não tê-lo sido. Pior, pô!
SOBRE O AUTOR:
Começou a carreira profissional como jornalista, nas “Folhas” e no “O Estado de S. Paulo”; paralelamente, formou-se na Faculdade de Direito da USP, no Largo de São Francisco.Diplomata desde 1963, foi Secretário de Embaixada em Bruxelas e Bogotá, Chefe do Escritório Comercial do Brasil nos EUA, Cônsul Geral ad interim em Nova York, Ministro-Conselheiro na Embaixada em Washington e Encarregado de Negócios junto aos EUA, ad ínterim.Promovido a
Embaixador em 1987, exerceu aquela função na Venezuela, no Uruguai e na Austrália (cumulativamente, também na Nova Zelândia e em Papua-Nova Guiné). Foi igualmente Cônsul-Geral do Brasil em Frankfurt, na Alemanha, e em Tóquio, no Japão.
No Brasil, foi Chefe da Divisão de Programas de Promoção Comercial, porta-voz do Itamaraty na gestão Olavo Setúbal e Chefe do Gabinete do Ministro Abreu Sodré; fora de Brasília, foi Chefe do Escritório do Ministério das Relações Exteriores em São Paulo – ERESP, que instalou.Aposentou-se em abril de 2.008. Reside atualmente em Colina, sua terra natal, interior de São Paulo, Brasil.
É o autor de “Crônicas do Inesperado”, lançado em outubro de 2.009.
Para contatos, usar o endereço de e-mail rpguimar@gmail.com
Aberto às suas opiniões, sugestões, etc...
para saber mais sobre o autor, por favor, acesse os links:
ou seu blog: http://www.ccbf.info/blog
Nenhum comentário:
Postar um comentário