Pharmácia
Sta. Izabel
Muito
bonita e evocadora a série de fotos da Pharmacia Sta. Izabel que
acaba de aparecer neste blogue. Mais um exercício primoroso e
competente da Renata Paro, de singular valia para os contemporâneos
e para a História. Não percam essa visita virtual que o blogue lhes
está oferecendo, à Pharmácia e no tempo.
Para
mim, as fotos têm mais que valor estético e documental: elas afetam
sentimentos profundos, atávicos – lembram-me o passado mesmo de
antes de eu existir.
Nasci
na Sta. Izabel, na casa atrás, em que moravam meu avô Urbano
Prado e minha vó Cotinha (apelido carinhoso para nome fidalgo e
sonoro: Maria Franco da Silva Prado). Ele era o dono da farmácia,
depois de deixar as funções de Administrador da Fazenda São
Joaquim1
e a posição, em dois mandatos intercalados, de Prefeito do
Município de Colina. Vi as luzes em 1938, assistido pelas mãos
competentes e afetuosas do Doutor Alcides, que também estaria à
cabeceira de vô Urbano quando a luzes lhe faltaram, precocemente, a
24 de dezembro de 1942.
Nunca
morei em Colina, antes , como explicado nas crônicas inaugurais
desta série2.
Mas aqui vim em sucessivas férias, passadas na casa de minha avó
(já viúva) Cotinha, ou na da tia Wanda Prado, esposa do Antonio
Olintho Nogueira, dono do Cartório (grande praça, lembram-se
dele?). Mais tarde cultivei meus laços com o lugar do nascimento
toda vez que viajava de Brasília para São Paulo (ou na volta), nos
períodos de serviço no Brasil. Parava em Colina a fim de 1) visitar
o túmulo do vô Urbano na Quadra 5 de nosso ameno cemitério, onde
um dia espero ter guarida; 2) tentar reviver o passado, mirando, da
altura do Coreto, os caminhos ingênuos da Praça da Matriz, quando
eu fazia “footing” e admirava, na direção oposta, embora
bem-vinda, belezas inesquecíveis – e inesquecidas3;
e 3) tentar convencer o Fiori a vender-me as estantes da Sta. Isabel.
As
estantes da Pharmácia Sta. Isabel!
Dentre
as poucas coisa que me envaidecem na vida, está o fato de ter sido
dos primeiros, acho, a botar reparo sério e atento nelas. Desenho
acurado, harmônico e de bom-gosto, nas madeiras e nos vidros,
feitura inspirada, artesãos provincianos mas magistrais em seu
ofício, conscientes do belo e do funcional. Um conjunto soberbo,
amostra de uma época, exemplo para seu futuro. Peças que sempre
presumi que merecia possuir, até por direito de sangue, uma vez que
as supunha concebidas e mandadas fazer por meu avô Urbano. Só agora
me dou conta de que são ainda mais antigas, obra do proprietário
anterior e fundador primeiro da pranteada instituição, o Fuzinato
Bertazzi. Nem por isso, contudo, me arrependo do esforço, embora
vão, de adquiri-las e preservá-las.
O
Fiori sempre se recusou, até bruscamente, a conversar a respeito.
Quando morreu, sua família me contatou em Frankfurt, por via da
Prefeitura, oferecendo os móveis. Tive de renunciar a eles. Na
Alemanha teria dinheiro para comprá-los, mas não espaço para
abrigá-los, e o custo do transporte seria exorbitante. Quando
voltei a Colina, nem toquei no assunto com o Paulinho Frigoni: aqui
tenho o espaço, mas não mais o dinheiro.
Não
importa. As estantes já estão preservadas. Nas fotos da Renata, e
de outros (até minhas), e na espécie, graças aos cuidados atentos
e louváveis do Fiori e de seu atual proprietário, e igualmente
porque, informalmente “tombados” pela voz pública e consensual,
já pertencem ao patrimônio histórico e cultural da cidade e terão
de sobreviver, necessária e institucionalmente, a seus admiradores
contemporâneos.
Onde?
1
Ainda íntegra, a maior propriedade da região na época. Como
igualmente fôra, anos antes, a Mandaguari, já pros lados de
Jaborandi, onde meu outro avô, o paterno, Orestes Guimarães,
também havia sido gestor, por conta do Cel. Luciano Nogueira e seus
filhos. Tanta terra!, Mas para mim não sobrou nada. Eram gerentes,
não proprietários, meus avós. Do pouco que puderam comprar e
formar, para si e suas famílias, só guardo a lembrança de raras
visitas na infância – o varandão precário, de piso em parte
apodrecido, da chácara (creio que hoje a “do Furquim”) em
Bebedouro, o portal estranhamente chamativo da modesta “Fazenda
Palestina”, em Mirandópolis, adiante de Araçatuba. Depois de
um tempo nas mãos de meu tio Paulo Prado (“Nenzico”), a Sta.
Izabel foi vendida pelos herdeiros de Urbano e coube ao Fiori
administrá-la pelos lustros subsequentes, até a morte.
2
Colinenses nº 1, “Vou-me embora pra Colina”,
depois desdobradas em três: 1a. Vou-me embora pra Colina; 1b.
Viver a tarde; e 1c. Colina paraíso; e também Colinenses
n° 2 – Volta sem ida.
3
Do “footing” na praça já se falou na Colinenses nº
7, Sons de Colina. Também meu pai, Mario Mazzei Guimarães, tem
neste blogue texto sobre os costumes de Colina no qual o descreve,
ao “footing”, em pormenor e até com certas indiscrições sobre
o comportamento na praça. Coisas do tempo dele, não do meu...
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