O Hino Nacional é plágio?
Fiz ontem, 29 de outubro, uma palestra com o título acima no Rotary Club de Colina. A boa acolhida me anima a republicar, devidamente revisto, texto a respeito que vem de minhas “Crônicas do Inesperado”, editadas em 2009. Em Colinenses subsequentes acrescento mais informação ao tratamento do tema, a fim de tentar satisfazer a curiosidade cívica despertada pela palestra perante os colinenses, com respeito ao Hino e outros símbolos nacionais nossos.
A 20 de julho de 2.002, véspera da partida Brasil-Inglaterra pela Copa do Mundo de Japão-Coréia, “The Guardian”, o respeitado jornal londrino, publicou este inesperado artigo, empolgante para qualquer brasileiro:
“Procure estar à frente da televisão às 7:20 horas amanhã, a fim de desfrutar de mais uma contribuição do Brasil para a felicidade humana. Com a França eliminada, o Brasil tem o melhor hino nacional da Copa do Mundo de 2.002. Primeiramente escrito por Francisco da Silva, em 1841, pode-se sustentar que o Hino Nacional é o mais jovial, alegre, melodioso e fascinante (“jauntiest, cheeriest, most tuneful and most beguiling”) hino nacional do planeta. Até parece que ele vem diretamente do Teatro da Ópera, e a influência de Rossini é difícil de ser ignorada, embora os entendidos pensem agora que Da Silva pode ter copiado a melodia de uma obra religiosa de seu professor, José Nunes Garcia. Dentre os admiradores do Hino se encontra o compositor ‘créole’ Louis Moreau Gottschalk, que escreveu um conjunto de variações para piano e orquestra que vale bem a pena ouvir.
No seu livro “Futebol: The Brazilian way of Life”, nosso correspondente para a América do Sul, Alex Bellos, explica como o inglês Charles Miller trouxe o futebol ao Brasil pela primeira vez. Mas quando Miller chegou ao porto de Santos em 1894, o Hino Nacional já havia por muito tempo expresso em música o que Pelé e seus sucessores mais tarde expressaram tão maravilhosamente no campo de futebol. Enquanto a Marselhesa faz apelos belicosos às armas, o Hino Nacional exalta os sentimentos nacionais pelo apelo ao céu puro e belo (“pure beauteous skies)”, ao som do mar e às flores de seus risonhos, lindos campos (“fair smiling fields”). Um cenário apropriado para o futebol bonito (“the beautiful game”).
Quando Rivaldo e Ronaldo marcaram outros dois gols na Bélgica, segunda-feira, determinando assim a quarta-de-final de amanhã contra a Inglaterra, o “London Evening Standard” abriu suas últimas edições do dia com uma enorme manchete de uma palavra só: BRAZIL! Que homenagem! É difícil imaginar qualquer outro país cujo nome poderia ser usado dessa maneira e com tanta confiança, na certeza de que os leitores reagiriam com prazer e excitação. Se a Inglaterra fosse jogar contra a Argentina, a Alemanha, a França ou a Itália amanhã, a expectativa estaria misturada com medo. Jogar contra o Brasil é simplesmente um deleite (“delight”) e uma distinção (“honour”)”.
Essa inesperada avaliação não foi suficientemente difundida na imprensa brasileira da época, em toda a sua dimensão musical, futebolística e cultural. Por isso se justifica a longa citação - também cabível porque não é sempre que se lê texto tão elegante com respeito ao adversário, ou que dê tanto prazer ao leitor brasileiro (na verdade, caberia bem em qualquer antologia de nosso ufanismo). Também vale, a transcrição, pelo contraste de paz e guerra com a Marselhesa e a exaltação, surpreendente – e pertinente! –, de versos da letra do Hino que estamos acostumados a desmerecer como ridiculamente líricos e acomodados: o tranqüilissimo “Deitado eternamente em berço esplêndido...” é na verdade mais de admirar que o marcial “Allons Enfants de la Patrie, le jour de gloire est arrivé! Marchons, marchons!”. Chama atenção, ainda, no artigo, sua menção a influências rossinianas e à tese, moderna, de que o Hino deriva de peça do Padre José Maurício Nunes Garcia.
Havia ouvido falar, vagamente, da possível influência de Rossini em nosso Hino Nacional, mas não sabia da contribuição de Nunes Garcia referida por “The Guardian”. Foi depois de ler aquele artigo que topei com umas belas Lições de Pianoforte de sua autoria, e, numa delas, pasmo, alertado pelo ouvido sensível de minha mulher (alemã!), com a essência melódica do Hino Nacional brasileiro. A semelhança é extraordinária e, no mínimo, intrigante.
A julgar por meus insuficientes conhecimentos e pela escassa bibliografia a que tenho imediatamente acesso:
I) Nunes Garcia aproveitou temas alheios para suporte de
suas Lições, Fantasias e Variações, “nas quais utiliza
motivos de Haydn, Mozart, Rossini, e mesmo do Hino
Nacional Brasileiro”, segundo a Enciclopédia da Música
Brasileira, editada pela Publifolha. O procedimento
desses exercícios sobre matéria anterior é corriqueiro e
legítimo - quem não conhece a Rapsódia sobre um Tema
de Paganini, de Rachmaninoff? E na Lição para
Pianoforte de que se trata, Nunes Garcia se teria
inspirado na Abertura do Barbeiro de Sevilha, de Rossini;
II) a primeira versão do Hino Nacional Brasileiro foi
composta a propósito da abdicação de Dom Pedro I, em
1831, e teria sido apresentada a 14 de abril daquele ano
no Teatro São Pedro de Alcântara, por ocasião da partida
da família imperial. Segundo a cautelosa atribuição da
Enciclopédia das Folhas, era “provavelmente” de autoria
de Francisco Manuel;
III) o que veio antes: o Hino ou a Lição? O Padre José
Maurício faleceu em abril de 1830; não poderia ter
inspirado seu exercício para piano em obra póstuma a si
próprio;
IV) Francisco Manuel da Silva foi aluno do Padre, tendo
começado “a estudar (teoria e solfejo) ainda menino, no
curso livre que este mantinha na rua das Marrecas, no
Rio de Janeiro” (E.M.B.);
V) quem ouvir com paciência a Abertura do Barbeiro de
Sevilha, topará, no finalzinho, com uma passagem
evocativa da melodia básica de nosso Hino; na Lição de
Nunes Garcia, a coincidência é patente, e imediata. Não
há vínculo assim tão óbvio e extenso, ao menos para o
leigo, entre a Abertura de Rossini e o Hino de Francisco
Manuel da Silva, embora os haja, em aparência, entre a
Abertura e a Lição para Pianoforte. E os laços entre o
Hino Nacional e a Lição são nítidos, evidentes. Ergo,
nesse silogismo histórico-musical, a inspiração de
Francisco Manuel deve ter vindo dos exercícios do
mestre, mais precisamente daquilo que este acrescentou
ao tema de Rossini, cuja influência no Hino seria, assim,
por via autóctone;
VI) o tema está ainda inconcluso, porém, para mim. Num
“sarau” de música clássica em minha casa em Frankfurt,
apresentei aos convidados a Grande Fantasia Triunfal
sobre o Hino Nacional Brasileiro, de Gottschalk (que
menciono abaixo). Ao final, aproveitei para testar a
hipótese da influência rossiniana, oferecendo um CD da
OSESP como prêmio a quem pudesse identificar
semelhança entre a estrutura melódica do Hino e alguma
peça do repertório operístico italiano. Tive que dar dois
CDs! Pronta e simultaneamente, dois dos convidados
levantaram a mão e gritaram: ”O Barbeiro de Sevilha!”.
Eram os Cônsules-Gerais da Itália e da Espanha.
Intrigante.
Na dúvida, só ouvindo. Da Lição de Nunes Garcia (Segunda Parte, Lição V, allegretto), existe a gravação, por sinal esplêndida, de Ricardo Kanji, regendo a orquestra e o coro Vox Brasiliensis. Procurar o CD n° II da edição, e, neste, a faixa 35. Não custa nada, também, ouvir, depois da emblemática Lição, a brilhante Abertura em Ré da faixa seguinte. Também, na faixa 37, a Abertura “Zemira” merece atenção – como, de resto, toda a bela coletânea de Kanji e da Vox Brasiliensis.
SOBRE O AUTOR:
Renato Prado Guimarães nasceu em Colina, Estado de São Paulo.
Começou a carreira profissional como jornalista, nas “Folhas” e no “O Estado de S. Paulo”; paralelamente, formou-se na Faculdade de Direito da USP, no Largo de São Francisco.Diplomata desde 1963, foi Secretário de Embaixada em Bruxelas e Bogotá, Chefe do Escritório Comercial do Brasil nos EUA, Cônsul Geral ad interim em Nova York, Ministro-Conselheiro na Embaixada em Washington e Encarregado de Negócios junto aos EUA, ad ínterim.Promovido a
Embaixador em 1987, exerceu aquela função na Venezuela, no Uruguai e na Austrália (cumulativamente, também na Nova Zelândia e em Papua-Nova Guiné). Foi igualmente Cônsul-Geral do Brasil em Frankfurt, na Alemanha, e em Tóquio, no Japão.
No Brasil, foi Chefe da Divisão de Programas de Promoção Comercial, porta-voz do Itamaraty na gestão Olavo Setúbal e Chefe do Gabinete do Ministro Abreu Sodré; fora de Brasília, foi Chefe do Escritório do Ministério das Relações Exteriores em São Paulo – ERESP, que instalou.Aposentou-se em abril de 2.008. Reside atualmente em Colina, sua terra natal, interior de São Paulo, Brasil.
Renato Prado Guimarães nasceu em Colina, Estado de São Paulo.
Começou a carreira profissional como jornalista, nas “Folhas” e no “O Estado de S. Paulo”; paralelamente, formou-se na Faculdade de Direito da USP, no Largo de São Francisco.Diplomata desde 1963, foi Secretário de Embaixada em Bruxelas e Bogotá, Chefe do Escritório Comercial do Brasil nos EUA, Cônsul Geral ad interim em Nova York, Ministro-Conselheiro na Embaixada em Washington e Encarregado de Negócios junto aos EUA, ad ínterim.Promovido a
Embaixador em 1987, exerceu aquela função na Venezuela, no Uruguai e na Austrália (cumulativamente, também na Nova Zelândia e em Papua-Nova Guiné). Foi igualmente Cônsul-Geral do Brasil em Frankfurt, na Alemanha, e em Tóquio, no Japão.
No Brasil, foi Chefe da Divisão de Programas de Promoção Comercial, porta-voz do Itamaraty na gestão Olavo Setúbal e Chefe do Gabinete do Ministro Abreu Sodré; fora de Brasília, foi Chefe do Escritório do Ministério das Relações Exteriores em São Paulo – ERESP, que instalou.Aposentou-se em abril de 2.008. Reside atualmente em Colina, sua terra natal, interior de São Paulo, Brasil.
É o autor de “Crônicas do Inesperado”, lançado em outubro de 2.009.
Para contatos, usar o endereço de e-mail rpguimar@gmail.com
Aberto às suas opiniões, sugestões, etc...
para saber mais sobre o autor, por favor, acesse os links:
http://colinaspaulo.blogspot.com.br/2012/04/renato-prato-guimaraes-autor-colinense.html
ou seu blog: http://www.ccbf.info/blog
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Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirEu acredito que em relação à música clássica ou erudita o termo plágio tem sido usado de modo taxativo por alguns; sob esta óptica, ficam os seguintes casos, entre outros, a questionar:
ResponderExcluira) Fugas barrocas: temas da segunda parte do prelúdio da suíte em ré menor de Johann Kuhnau (outrora atribuída a Bohuslav Matěj Černohorský), fuga em ré menor da "Ariadne musica" de Johann Caspar Ferdinand Fischer e fuga em ré menor (BWV Anhang 100).
b) início canção folclórica francesa "À la volette" e temas do último movimento da sonata Op. 79 de Beethoven e do estudo Op. 25 N.º 9 (Borboleta) de Chopin.
É o que me vem à mente.