sexta-feira, 20 de maio de 2011

Colinenses nº 52 - BB bom partido - Crônica do Emb. Renato Prado Guimarães


BB bom partido

                   Certa vez, em Tóquio, o gerente do Banco do Brasil queria porque queria que eu falasse em cerimônias comemorativas de três décadas de BB no Japão. Falei primeiro em Ota, no interior, mas na Capital me recusei, reiteradamente, pois não tocava a mim, Cônsul, protocolarmente, aquela tarefa honrosa, ali da alçada mais bem da Embaixada. Não adiantou; na hora do brinde, o Gerente empurra em minha mão um microfone e anuncia, autoritário, sem dar tempo a recusa, “Com a palavra...”
 
                  Sem alternativa, primeiro me vinguei. Como convidar para um brinde se vocês estão todos com os copos vazios? Eu não vou brindar e ao final ter de beber sozinho, deixando toda a plateia na mão, a seco. Que os donos da festa abram mais champanhe a fim de que seus convidados possam brindar conosco! Duas caixas de caríssimo champanhe depois, copas minuciosamente cheias, fiz um ensaio geral, convidando os presentes a experimentarem a bebida (é de boa etiqueta provar antes o vinho que se vai beber).
                    Como o champanhe passou na prova, com assentimento consensual, pedi para que os anfitriões completassem nas copas o que fora consumido naquele passo preliminar. Meia caixa de champanhe a mais, na conta do Banco, meu auditório já na maior agitação, resolvi começar a falar, lembrando aquela estória de que o único brinde realmente convincente e bem sucedido é o do conviva que se levanta, ao fim de lauto almoço, e diz, magnânimo: Garçom, a conta por favor!
                  No caso, era o BB quem estava pagando.
                  Ainda vingativo, resolvi discorrer não sobre o banco e seus feitos, mas sim sobre seus funcionários, que formam uma das comunidades laborais mais antigas, tradicionais e competentes da sociedade brasileira. E comecei, como sempre, por meu começo, Colina:
                 Uma das imagens mais antigas em minha lembrança é a de minha mãe conversando com uma irmã, na calçada em frente da Pharmacia Santa Izabel, a tia contando vantagem sobre a filha casadoira: Sabe da novidade? Sicrana está namorando, e firme. E olha que ele é funcionário do Banco do Brasil!
                 Funcionário do Banco era naquela época bom partido. Dizem que continua sendo. E as funcionárias?
                A jovem da estória de minha tia é a mesma do episódio do bolero hipócrita no footing da praça da Matriz [1]. Casou-se com o funcionário do Banco, mas não foi feliz, lidando desde cedo com problemas de saúde. Faleceu precocemente – acho que em Bebedouro, ou Rio Preto, onde deixou prole. Tenho saudades.
                 No mesmo brinde, implacável na revanche contra o gerente que me impusera a palavra, e acicatado, decerto, pelo champanhe que eu não deixara de também provar (só para dar o exemplo), contei estórias maliciosas do rico folclore do Banco.
                  Como esta: O sitiante (em Colina?; se não foi, dava pra ser) dá a égua em garantia do empréstimo que toma para tocar um roçado de milho. Na colheita, o fiscal do Banco vai ver. Não encontrando ninguém, e nada da safra, relata ao Gerente, por escrito, formal e compenetrado: ”O mutuário comeu o principal e fugiu na garantia subsidiária”.
                   Admiti, contudo, que o BB ainda é das raras instituições brasileiras que põem empenho em escrever bom português. E contei que, com meu olho adestrado de revisor, descobri na Internet uma página clonada do Banco por dois simples erros de concordância, embora estivesse perfeita, a cópia fraudulenta, em tudo o mais, dos gráficos às imagens e aos cliques. Topei com os erros depois de já ter dado a senha. Como não acreditava que o Banco pudesse cometer tal atentado contra o nobre idioma de Machado, fui a meu gerente na Agência Paulista e denunciei a fraude. Comprovou-se que eu tinha razão, fui calorosamente felicitado como um detetive gramatical. Mas tive que mudar rápido de senha, que deixou de ser literária e passou a ser essencialmente numérica.
                  O público adorou o brinde (graças ao champanhe, claro), alguns Embaixadores sul-americanos presentes, a título de felicitações me vieram até pedir copy-right para usar minhas brincadeiras inovadoras em seus próprios brindes inevitáveis. Até o gerente impositivo apreciou, não obstante o champanhe que teve de pagar. E continuou meu amigo, sempre me acompanhando nos “Consulados Itinerantes“ que empreendia para ir dar assistência consular no interior do país, onde viviam nossos patrícios de olho puxado, que no Brasil se sentem japoneses mas no Japão vestem a camisa de brasileiro com gosto, orgulho e entusiasmo invulgares. Uma espécie de Poupa-tempo peripatético, de fim de semana, os tais Itinerantes.
                 O Gerente andava pela Argentina, ultimamente, numa das agências do Banco lá. Outro funcionário do BB, ex-casado na família, me dá conta de que o encontrou outro dia, em Brasília, e de que ele até fala bem de mim.
                 Podia é me mandar uma caixa de champanhe...



SOBRE O AUTOR:

Renato Prado Guimarães nasceu em Colina, Estado de São Paulo.
Começou a carreira profissional como jornalista, nas “Folhas” e no “O Estado de S. Paulo”; paralelamente, formou-se na Faculdade de Direito da USP, no Largo de São Francisco.Diplomata desde 1963, foi Secretário de Embaixada em Bruxelas e Bogotá, Chefe do Escritório Comercial do Brasil nos EUA, Cônsul Geral ad interim em Nova York, Ministro-Conselheiro na Embaixada em Washington e Encarregado de Negócios junto aos EUA, ad ínterim.Promovido a
Embaixador em 1987, exerceu aquela função na Venezuela, no Uruguai e na Austrália (cumulativamente, também na Nova Zelândia e em Papua-Nova Guiné). Foi igualmente Cônsul-Geral do Brasil em Frankfurt, na Alemanha, e em Tóquio, no Japão.
No Brasil, foi Chefe da Divisão de Programas de Promoção Comercial, porta-voz do Itamaraty na gestão Olavo Setúbal e Chefe do Gabinete do Ministro Abreu Sodré; fora de Brasília, foi Chefe do Escritório do Ministério das Relações Exteriores em São Paulo – ERESP, que instalou.Aposentou-se em abril de 2.008. Reside atualmente em Colina, sua terra natal, interior de São Paulo, Brasil.










É o autor de “Crônicas do Inesperado”, lançado em outubro de 2.009







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